terça-feira, 17 de maio de 2011

As correntes de pensamento geográfico e a região no contexto da modernidade.
A Geografia Clássica e a região.
 Nas últimas décadas do século XIX dá-se a institucionalização do conhecimento
geográfico, a partir da criação de cátedras de Geografia na Alemanha e na França. Estas duas
Escolas representariam os planos da sociedade burguesa, o conhecimento de novas terras e a 
aquisição de matéria-prima para a indústria que estava em expansão. Portanto tornava-se cada vez
mais necessário haver uma ciência que possibilitasse  conhecer, cartografar e conquistar outros
territórios, assim como constituir e afirmar um sentimento de nacionalidade. Dessa forma,  deu-se
à  Geografia um caráter de ciência fundamental naquele momento, cuja realidade era amparada
pelos propósitos do Estado-nação.  A Geografia, com a responsabilidade de dar respostas às
indagações  cientificas que surgissem sobre a realidade, serviria como instrumento do processo de
consolidação do capitalismo na Europa. 
No que concerne ao aspecto metodológico, a institucionalização da geografia, mesmo
dando-se no século XIX, constituir-se-ia dos princípios positivistas do século XVIII cujo
idealizador,  Emmanuel Kant, também é o inaugurador da disciplina de geografia. É com este
filósofo, segundo Lencioni (1999), que aparece a “idéia de que o fundamento da geografia é o
espaço” e a firma  ainda “que o espaço geográfico é de natureza diferente do espaço matemático,
porque divide em  ‘regiões’ que se constituem no substrato da história dos homens”. É portanto
com Kant que a região aparece, pela primeira vez ligada à idéia de espaço geográfico. A título de
lembrança, é importante relevar que embora  a geografia não tenha sido sistematizada nesse século,
conceitos como espaço e região, que se constituirão como categorias-chave da Geografia, 
aparecem como sistematizados de tal forma que servirão de trampolim para muitos futuros  estudos
geográficos.
Um fato a ser destacado é que este período, mesmo o que antecede à Geografia
científica, é marcado pelos preceitos da ciência moderna, “nascida do projeto iluminista e
institucionalizada dentro de uma vertente positivista e normativa” (GOMES, 1996, p.12). A
modernidade funda uma nova ciência racional capaz de  sustentar seu projeto. Neste sentido, cada
ciência tinha sua função na organização da sociedade. E com a  Geografia não poderia ser
diferente. A ela também estava reservado o seu papel. A sistematização de toda e qualquer
disciplina da época, social ou física, passaria pelos desígnios ditados por um modelo único ou
predominante, ao qual Santos M. (1997) chamou de “o paradigma dominante”.  Sobre este assunto
o mesmo  esclarece: Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na
medida em que nega o caracter racional a todas as formas de conhecimento que se não
pautarem pelos seus princípios epstemológicos e pelas suas regras metodológicas (Idem, p. 10
e 11). 
Esse modelo era baseado no método positivista, uma doutrina que acreditava ter
superado o estágio do conhecimento metafísico substituindo-o por um conhecimento puramente
objetivo e progressivo. Este conhecimento, naturalmente, veio a exercer influência teóricometodológica significativa na ciência geográfica não só a clássica, mas, especialmente, a
quantitativa. No sentido epistemológico da Geografia, com a institucionalização universitária,  a
comunidade científica centrou seus estudos em duas diretrizes, norteadoras  do pensamento
geográfico as quais foram denominadas por Capel (1985) como: “problemas-chave definidores da
disciplina”. O primeiro referia-se ao “estudo da relação homem-meio” e o segundo ao “estudo da
diferenciação do espaço na superfície terrestre”. Esses dois problemas-chave  foram
sistematizadores da Geografia. No que diz respeito à região, que se constituiu como primeira
categoria, ambos definem duas diferentes abordagens no pensamento geográfico. A primeira delas
estaria na concepção ambientalista  que, intermediada por um aparato metodológico de base
naturalista, orientou a construção de alguns conceitos importantes na Geografia. Entre eles, o
conceito de região natural, que encontrou em Ratzel seu expoente, e a região geográfica, cujo
principal difusor foi Vidal de La Blache.  
Vidal de La Blache  (1845-1918) defendeu a região  enquanto entidade concreta,
existente por si só. Aos geógrafos caberia delimitá-la e descrevê-la. Segundo ele, a Geografia
definiria seu papel através da identificação das regiões da superfície terrestre. Nesta noção de
região,  acrescenta-se à presença dos elementos da natureza, caracterizadores da unidade e da
individualidade, a presença do homem. Esta concepção, embora de influência naturalista,  provém
do desdobramento de outras filosofias, paralelas ao positivismo, resultado daquilo que Capel
(1981) chamou de “reação antipositivista”.  Como exemplo de uma dessa reações, surge o
historicismo, apoiado na intuição. Influenciado por esta corrente La Blache produz um conceito de
região diferente daquele herdado da geologia, o de região natural.
  A partir da inserção do elemento humano na caraterização da paisagem regional, outra
dimensão pode ser evidenciada. Isto é, o processo histórico na relação homem-meio  é pela
primeira vez enxergado, acrescentando grande riqueza na análise regional. O resultado dessa formulação é o conceito de região geográfica, que possibilitou  a construção  de uma geografia
regional com um aparato “eminentemente descritivo, mantendo a tônica de todo o pensamento
geográfico” (MORAES, 1995, p. 77). Este conceito passou a ser objeto  de uma série  de grandes
teses regionais não só na França, mas também reproduzido no Brasil. O momento foi permeado
pelo incentivo às monografias regionais, na tentativa de conhecer o mundo a partir de suas partes,
das regiões. Logo, a região emergiu como categoria-chave na Geografia para a apreensão da
realidade e a geografia regional passa a ser uma diretriz no pensamento geográfico.  
  A inclusão das ações humanas na análise regional inovou os estudos da Geografia, mas,
por outro lado, causou o primeiro grande problema no interior da disciplina centrada no estudo da
relação homem-meio: a dualidade da ciência. Com esta  geografia teve que se desdobrar para
resolver este impasse. A solução estava na criação de uma Geografia regional capaz de dar unidade
à ciência. Dessa forma, paulatinamente, foram realizados muitos estudos regionais por todo o
globo, mostrando a eficiência das monografias regionais seguidoras da  proposta vidalina,
destacando a caráter único da paisagem, todavia sem preocupar-se com o estabelecimentos de leis
gerais, gerando uma segunda dicotomia. Agora, entre Geografia geral e Geografia regional. 
Foi esse novo  desdobramento que tomou a geografia que levou A. Hettner (1859-1941),
geógrafo alemão, a discordar do uso de um único método para as ciências naturais e humanas,
como propunha o positivismo. Já influenciado por outra corrente anti-positivista, o Neokantismo,
considerou necessário discutir  a temática sobre as ciências nomotéticas, aquelas voltada para os
estudos gerais, e idiográficas, aquelas voltadas para os estudos particulares. Para Hettner, a
geografia  era tanto uma como outra. “Era uma ciência da superfície terrestre segundo as
diferenciações regionais” (GOMES, 1995, p. 58). Isto afirmaria, o que se convencionou chamar de
caráter corológico da ciência. Hettner considerou ser, portanto, “o estudo dessa diferenciação
ponto central da geografia” (LENCIONI,  1999, p. 122).  Convém lembrar que este enfoque diz
respeito ao segundo problema-chave da disciplina que mencionamos anteriormente, referente à
diferenciação de áreas, marca do estudo regional.
O enfoque corológico  daria base para a   Geografia  regional e “evitaria o perigo do
dualismo geográfico” (CAPEL,1981, p. 320), resumindo-se na síntese dos problemas físico e
humano tão pertinente à geografia. Assim, estaria resolvendo um problema gnosiológico desta
ciência. Quem assimilou profundamente as teorias de Hettner foi Hartshorne que considerou o
conceito de diferenciação espacial, assim como a associação dos fenômenos heterogêneos numa
área, ou seja, numa região. É só nela que se combinam os elementos físicos e humanos. Conforme
Capel (1985, p. 338) “ao por ênfase na região os geógrafos adotaram uma estratégia
particularmente frutífera”. O método regional enraizou com muito sucesso por todas as escolas da
Geografia da época. 
Hartshorne, opondo-se ao conceito de região concreta de La Blache, enfatizou a região
enquanto criação intelectual e não entidade física auto-evidente. Esta forma de caracterizar região,
enquanto categoria autônoma, também atraiu a crítica de Lacoste (1993), que, reivindicando o
caráter político, denominou-a de “região-personagem: um poderoso conceito-obstáculo”. Para este
autor este conceito constrói os “geografismos”  e “nega, a nível do discurso, os problemas que
colocam  a espacialidade diferencial” (1993, p. 65). Não obstante, não foi essa crítica à região que
levou a crise da Geografia Clássica, mas, segundo Moraes (1995, p. 97), uma das  maiores razões
responsável pela crise desta Geografia, foi: “A falta de leis, ou de outra forma de generalização”.
Vítima de muitas críticas, esta corrente passaria, a partir de então, para uma fase de renovação de
seu método e de suas concepções de ciência e de ver o mundo.  

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